quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O legado da cultura organizacional e sua importância para os negócios

Antes da minha primeira aula de Antropologia, que assisti no primeiro ano de faculdade, cultura para mim era tudo aquilo que acontecia nos palcos dos teatros, estava escrito nos livros, exposto em galerias, retratado em filmes ou em outras manifestações artísticas na maioria das vezes eruditas. O curso literalmente abriu meus olhos, ouvidos e cabeça para um conceito novo que, como profissional de comunicação, seria determinante no momento em que ingressasse no mercado de trabalho: a cultura organizacional.

Muitas vezes, no dia-a-dia de trabalho, o próprio funcionário se esquece de que, antes de fazer parte daquela folha de pagamento, seu repertório pessoal já estava definido, construído desde a infância, no convívio com a família, na fase escolar, no círculo de amigos, na formação acadêmica e tudo o mais que nos cerca e influencia a maneira como nos comportamos. Esse repertório está em constante construção e, involuntariamente, manifesta-se dentro da empresa (e torna o ambiente corporativo bem mais interessante e enriquecedor). Misturado às referências pessoais e profissionais do conjunto de funcionários, esse código determina aquilo que é certo ou errado, aceitável ou passível de punição, define como agimos e reagimos e, claro, nos comunicamos.

O incentivo ou a retaliação a um comportamento recorrente nas empresas comprova que a diversidade e o consenso andam lado a lado no trabalho. E isso é ainda mais claro para o profissional de comunicação interna, que, por essência, é um negociador, um equilibrista que pondera as expectativas dos funcionários e as necessidades da empresa para estabelecer diálogos produtivos e resultados para os negócios.

A cultura organizacional diz muito sobre as pessoas e a empresa e, portanto, precisa ser bem estabelecida. Porém, frequentemente, uma cultura forte é confundida com uma cultura imutável e, quando chegamos a esse ponto, a crise é quase inevitável. O funcionário passa a não se sentir responsável pela cultura organizacional, o nível de engajamento diminui, a improdutividade aumenta e, em médio ou longo prazo, é comum ter a percepção de que “essa empresa já não é mais a mesma” ou (igualmente negativo) “nada muda por aqui”.

Com o desgaste de uma relação de subordinação a elementos simbólicos e ao mesmo tempo tão concretos, o funcionário assume a posição da vítima quando deveria ser o protagonista, seja fortalecendo aquilo que já está estabelecido ou patrocinando a mudança. Nesse ponto, a comunicação é essencial. Mais que uma questão de sobrevivência, uma questão de vivência, que mostra ao funcionário que aquele legado também é dele. É diante desse desafio que encontramos grandes oportunidades de explorar e aprimorar elementos que compõem a reputação corporativa, cuja base é formada dentro da empresa (e não raro difere da percepção que públicos externos).

A composição de uma cultura organizacional repete-se em nossa vida acadêmica, no relacionamento com nossos amigos e família e na maneira como lidamos com nós mesmos. Ela é, acima do mercado, do porte e do portfólio de produtos de uma empresa, definida por pessoas. E nem é preciso voltar à faculdade para assistir à aula sobre o quanto as pessoas podem fazer pelas outras e pelos negócios. Basta olhar para o colega da mesa ao lado!


Marina Caprioli: relações-públicas e assistente de Comunicação da indústria farmacêutica MSD (companhia formada a partir da fusão entre os laboratórios Merck Sharp & Dohme e Schering-Plough), onde atua nas áreas de comunicação interna, relacionamento com clientes, responsabilidade social e reputação corporativa.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Existe receita para a crise?

Não importa a natureza da crise, nem o cenário que a motivou, a comunicação com funcionários é peça fundamental para um plano de gerenciamento eficaz. Independentemente dos problemas que desencadeiam uma crise, os colaboradores sempre estão envolvidos e são afetados. Observar alguns pontos simples na comunicação interna durante uma crise podem minimizar seus efeitos e transformá-la em oportunidades.

Mesmo antes da crise, é ideal que a empresa construa uma cultura de diálogo com seus funcionários. Conhecer profundamente todos seus stakeholders – inclusive as diferenças entre grupos– ajuda na hora de falar sobre o que está acontecendo de forma eficiente a cada um deles. Canais para ouvir os questionamentos do público interno são excelentes nessas horas de incertezas em que o funcionário precisa entender todas as medidas que estão sendo tomadas e reconhecer que a empresa se preocupa com seu futuro e que cada colaborador é importante para que a companhia chegue lá.

Dizer que elaborar um mapeamento de riscos e possíveis ações é fundamental e pode salvar empresas de muitas crises não é novidade, mas vale ser reforçado. Mas e quando a crise acontece? Isso é suficiente? Não, se tudo isso não estiver alinhado com as ações e estratégias para o público interno, que tem de ser o primeiro a receber as informações sobre a crise, pois quanto mais informado estiver mais seguro se sente, além de ficar apto a representar a empresa e apoiar suas decisões. A comunicação precisa ser verdadeira e clara – se há informações que ainda não estão definidas, deve-se dizer isso com clareza. As mensagens precisam ser alinhadas – repassadas pelos líderes diretos, mas os funcionários devem perceber o envolvimento e a participação direta da alta direção para que as informações tenham ainda mais confiabilidade e transmitam o preparo da empresa para enfrentar o momento de crise. E não deixe de valorizar os veículos que a empresa já tem para falar sobre a crise, sua utilização dá credibilidade à informação e ao veículo, que não é visto como chapa branca.

Depois de estabelecidos os canais por quais se darão essa comunicação com o público interno, é preciso atentar-se ao discurso. Os executivos da empresa devem ser os porta-vozes oficiais com todos os stakeholders, mas a empresa deve ter consciência de que, nessas situações, os próprios funcionários, seus familiares e amigos tornam-se representantes informais da empresa e difundem informações e impressões. Portanto, disponibilizar dados corretos para o público interno pode favorecer a disseminação positiva em suas comunidades e redes de relacionamento.

Se o público interno deve conhecer e entender as decisões tomadas pela empresa, os líderes desses funcionários têm uma responsabilidade maior: devem estar capacitados para dar feedback. A empresa precisa treiná-los para responder perguntas e ouvir questionamentos. Em momentos de crise, quando a precisão na interpretação das mensagens é tão importante, os feedbacks permitem avaliar se a comunicação foi compreendida corretamente por todos os funcionários. Além disso, ouvir a opinião e sugestões dos colaboradores possibilita o monitoramento de como está a imagem e a reputação da empresa entre a comunidade em que estão inseridos.

Claro que nada disso será suficiente e eficiente se a empresa não planejar e estiver bem-preparada para agir em casos de crise. Um comitê multidisciplinar pode ajudar muito, ao desenvolver, implementar e promover melhorias em um planejamento que antecipe cenários. Com o comitê, é possível criar um fluxo de comunicação, definir e distribuir responsabilidades e treinar as pessoas para assumi-las. Não existe receita para a condução de uma crise, mas algumas dicas podem ser bastante valiosas…


Mayra Martins é executiva de atendimento da LVBA Comunicação.

Bruno Carramenha é Executivo de Atendimento da LVBA Comunicação e professor de Gestão da Comunicação Interna na Faculdade Cásper Líbero.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Uniban - uma crise. Milhares de vítimas.

O assunto da semana: a expulsão (e posterior revogação da decisão) da aluna de turismo Geisy Arruda da Uniban em São Bernardo do Campo (SP). Impressionante que a decisão pela expulsão gerou descontentamento geral. Não houve um único apoio ou voto de solidariedade à Universidade – a reprovação foi unânime. E, cá entre nós, melhor assim – não havia como apoiar tamanho absurdo.

Mas há outro fato que eu julgo igualmente absurdo neste episódio: a crítica aos eventuais profissionais de comunicação envolvidos nesse gerenciamento de crise. Analisando os fatos, na condição de mera espectadora, percebia que a Universidade, em nenhum momento, envolveu em sua decisão profissionais de comunicação. O jornal O Estado de S.Paulo, em matéria publicada no dia 10 de novembro, comprova que a decisão foi tomada analisando somente, e de forma bem questionável, o ponto de vista jurídico. Foi um advogado o porta-voz e, certamente, coube a ele a redação do lamentável anúncio pago e da nota à imprensa. Pelos fatos, é fácil concluir que tudo foi feito à revelia dos profissionais de pedagogia, especialistas em educar, e dos profissionais de comunicação, especialistas em zelar pela marca.

Pessoalmente, acho que, além da estudante, os profissionais de comunicação que atuam na instituição são, igualmente, vítimas.

E ai, uma vez mais, vemos a importância da comunicação num momento de crise. Da comunicação estratégica, daquela que é chamada para participar das decisões e não somente tornar decisões públicas. Analisando o episódio e a proporção de sua repercussão fica claro que uma Universidade é diferente de uma indústria, por exemplo. Tornar público o problema de uma indústria e de seus produtos é um enorme problema e deixa marcas ruins por algum tempo. A imagem da Uniban foi fortemente afetada e isso será um problema para a Universidade durante um determinado período de tempo, mas para quem exibe um diploma conquistado na instituição o dano pode ser muito maior – é para o resto da vida. Como estão hoje os milhares de profissionais formados pela Uniban que, eventualmente, participam de processos de seleção? A marca Uniban – aquela que permitiu que o sonhado diploma fosse uma realidade – pode ser uma referência negativa quando o que está em jogo é uma vaga e centenas de candidatos? É uma questão séria que deve ser pensada. Novamente, mais vítimas.

Gerenciar crise exige técnica, conhecimento e entendimento dos públicos envolvidos. Gerenciar crise pressupõe transparência. Não pode ser feita por meio de anúncios e declarações apócrifas, “assinadas” pela Congregação ou pelo Reitor jamais identificado.

O que faria o profissional de comunicação neste contexto? Antes de qualquer coisa, analisaria os fatos e ouviria de forma atenta às análises dos educadores e dos advogados. Apoiaria a instituição na busca de solução com base em seus princípios muito bem expressos na missão, visão e valores – registrados no site e, ao que tudo indica, distantes da prática. Definiria as mensagens que deveriam ser disseminadas, bem como porta-vozes para cada público envolvido: professores, alunos, funcionários, familiares, autoridades e imprensa. Ou seja, promoveria o diálogo – ação fundamental quando o que está em jogo são relações pessoais, indivíduos, seres humanos.

É bom destacar que um trabalho anterior de comunicação poderia até ter evitado que a crise acontecesse. Bastava tornar real – por meio de fatos, atitudes e disseminação de conceitos – o que já está expresso como missão da Uniban: “Promover a formação integral do indivíduo, por meio da capacitação profissional, da produção e aplicação do conhecimento, da promoção da cultura, do respeito aos valores éticos-morais, através de um processo educativo contínuo de qualidade, voltado para o desenvolvimento da sociedade”.

Agora a Universidade tenta consertar o estrago. Vai promover uma série de palestras sobre cidadania – excelente iniciativa. Pena que seja um pouco tarde. O dano está feito e reconstruir a imagem que a Uniban construiu usando artistas simpáticos e populares desmoronou.

A Uniban era sinônimo de inclusão, afinal ela possibilita que alunos de baixo poder aquisitivo possam cursar uma Universidade. Hoje, graças a uma crise gerenciada de forma policialesca e preconceituosa, é sinônimo de exclusão e intolerância – atitudes que o terceiro milênio nos obriga a banir do vocabulário. Pena que a Uniban insista em continuar na metade do século XX.

(Finalizei a redação deste texto na manhã do dia 11 de novembro, após uma noite e madrugada sem luz. Pensei em mudar o tema pois, ao que tudo indicava, a Uniban sairia das primeiras páginas dos jornais para ceder espaço à cobertura sobre o apagão. No entanto, quando vi que a notícia continuava na capa da Folha de S.Paulo, decidi manter o texto. Sinal que a crise da Uniban desperta tanto interesse público quanto um apagão. Assustador, não?)


Gisele Lorenzetti é Diretora Executiva da LVBA Comunicação.