quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Imprensa, crise e limpeza de imagem

Se for mesmo verdade que a imprensa adora uma crise e se delicia com um escândalo, o momento é agora. Há crises pipocando de todo lado, com a Petrobrás pagando pelo óleo e gasolina sujos, Daniel Dantas se vendo às voltas com a Justiça (ainda bem), empresas tendo que explicar para investidores a aposta que fizeram na ciranda financeira etc. Há crise para todos os gostos.

Mas a verdade é que, ao contrário do que muita gente pode imaginar, as crises não acontecem por acaso e há, invariavelmente, um culpado na história. Quase sempre, tentando tirar o corpo fora, buscando justificativas para as mazelas cometidas e acreditando que um esforço "competente" de comunicação poderá salvar a pele das empresas e de seus executivos.

Toda crise tem um perfil particular. Como todo incêndio, ela não começa com labaredas de 100 metros, mas com uma simples chama, quase imperceptível, que vai se alastrando pouco a pouco, alimentada pela incompetência, omissão, ganância e falta de planejamento.

A Mattel, que entrou em crise há pouco tempo com os brinquedos importados, deveria saber que a terceirização a partir da China envolve sempre riscos, embora possa, a curto e a médio prazos, garantir lucros extraordinários. Os problemas decorrentes da baixa qualidade de fabricação dos produtos naquele País pipocam todo dia na mídia, mas, quando se vive num mundo de bonecas e super-heróis, fica difícil mesmo contemplar a realidade. O mundo real não está pra brincadeira, mas a cultura de gestão da Mattel estava de olho num parque de diversões.

A TAM poderia ter previsto que um reverso pinado acabaria redundando em uma tragédia, sobretudo quando as condições da pista de Congonhas e o mau tempo não favoreceriam. A outra tragédia da TAM também se deveu a um problema no reverso e era preciso ter aprendido a lição. Com reverso não se brinca e, convenhamos, não vale agora reforçar a tranca depois que a porta foi arrombada. Pais, mães e filhos que perderam seus entes queridos - e nós todos que estamos solidários com eles - não deixaremos jamais que a TAM e as autoridades que cuidam do setor aéreo abafem essa crise jogando cimento em cima.

Muitas construtoras têm crises permanentes: cai prédio e ponte ali e acolá, nem sempre as relações com os parlamentares e governos são transparentes e os buracos do Metrô costumam encher as telas das televisões. Esse negócio de fazer tudo debaixo dos lençóis não dá certo e alguém (como ficam as suas assessorias de comunicação nessa história?) precisa convencê-las de que o sol, na sociedade da informação, anda muito forte para ser tapado com peneira. Coisas de alcova também costumam vir à tona porque toda paixão às escondidas anda no fio da navalha das crises.

A crise da Philips (o presidente andou ironizando o Piauí injustamente) foi de outra ordem e talvez um bom programa de media training tivesse ajudado o seu presidente a evitá-la. Certamente, há muitos como ele que alimentam preconceito em relação ao Piauí (embora incluam o Estado como fornecedor de seus lucros porque dinheiro não tem cheiro nem cor, não é verdade?), mas há certas coisas que não se fala ou faz (o top-top do assessor do Lula) em público ou com a janela aberta.

Não há, com certeza, mais crises hoje do que sempre tivemos: o problema é que agora elas são facilmente reconhecidas, veiculadas e ganham uma dimensão planetária em poucos segundos. O presidente da Philips deveria saber que o Piauí inteiro pode escutar hoje o que ele fala no banheiro ou escreve num e-mail interno. A Merck aprendeu (embora continue, hipocritamente, tentando vender até agora uma versão contrária) que não dava para esconder a verdade por muito tempo: o Vioxx era um problema e pronto. Está fora do mercado e continua dando uma enorme dor de cabeça (daquelas que a indústria farmacêutica não tem remédio pra curar!).

As empresas precisam se convencer, de uma vez por todas, que a melhor solução é prevenir as crises, o que se consegue com uma gestão e uma cultura de comunicação afinadas com os novos tempos. O mercado já dispõe de um kit de ferramentas para evitar que elas eclodam. Ele inclui ética, transparência, respeito ao consumidor, compromisso com o interesse público, foco na comunidade etc. Não faz parte do kit "o lucro a qualquer custo". Algumas empresas andam com a "síndrome do olhar vesgo" e costumam perceber como públicos de interesse apenas ou prioritariamente os acionistas, e no seu mundo particular , em vez de pessoas, existem IPOs, taxas de juros, cotação do dólar, fusões e aquisições, dividendos e ações.

A comunicação moderna exige uma nova postura. Não é razoável, é mais caro e quase sempre não funciona tentar contratar agências (há muitas disponíveis, infelizmente, para a execução desta tarefa) para o trabalho de "limpeza de imagem". Não adiantam contra-informação, manipulação da opinião pública, campanhas publicitárias ou mesmo "molhar a mão" de determinados veículos (muitos adoram projetos de mercado e publieditoriais e lucram com as crises dos outros) para que veiculem informações falsas.

O fumante passivo também pode desenvolver câncer por causa do cigarro e não adiantou a indústria tabagista tentar esconder esse fato por algum tempo. Não é inteligente continuar dizendo que agrotóxico é defensivo agrícola porque veneno mata mesmo. Plantação de eucaliptos não é floresta porque floresta de verdade é aquela que tem valor quando fica de pé. Não adianta insistir no cínico "beba com moderação" , obrigatório nas campanhas de cerveja, quando a mesa do bar, nas peças publicitárias, está repleta de garrafas e a turma está pedindo mais uma. Os acidentes com carros continuarão matando os jovens porque a imagem é mais sedutora do que a frase dita ao final do comercial, muitas vezes em tom de deboche.

As crises existem porque as empresas e a sociedade têm dado permissão para que elas ocorram. Elas ocorrem porque a comunicação não é, na maioria dos casos, estratégica coisa alguma e vem a reboque para apagar os incêndios cometidos por empresários e chefias inescrupulosos e incompetentes. Todo incêndio deixa seqüelas (a TAM acabou aprendendo mais essa lição) e a comunicação, o marketing e a imagem das empresas, quando ele ganha força, costumam virar cinzas.

O negócio não é limpar a imagem, mas evitar a sujeira. Toda "pílula de farinha" gera filhos indesejados. Em São Paulo e no Piauí.


Wilson da Costa Bueno é consultor de comunicação e professor na Universidade Metodista de São Paulo e na Escola de Comunicações e Artes da USP.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Gestão de Crises: comece pelo funcionário

A elaboração de um eficaz planejamento preventivo e a aprendizagem sobre a importância do fortalecimento das relações com a imprensa, como forma de minimização de riscos para a imagem corporativa, são temas fundamentais na gestão de crises. Mas não funcionam sem um trabalho de envolvimento e conscientização com os funcionários. Se imagem é o reflexo das atitudes e valores de uma organização, crises diplomáticas, crises de idoneidade, crises fabricadas influenciam diretamente na percepção do público, e para evitá-las ou saber como enfrentá-las, o processo sempre inicia pela categorização da potencialidade de ocorrência de cada situação, onde se deve diferenciar o que é “possível” do que é “provável”.

Há ainda as divisões de crises previsíveis (relacionadas com atividades intrínsecas da companhia, com razoável domínio das possibilidades), crises pontuais (não previsíveis mas possíveis) e crises recorrentes (quando a memória coletiva reativa o problema). De toda maneira, como crise de imagem é uma situação anormal de conhecimento público, com o poder de desorganizar o funcionamento, afetar relações, comprometer carreira dos executivos, onerar com processos judiciais e deixar heranças na memória coletiva, o primeiro ponto é a modulação do ambiente externo com a capacidade de adequação interna. Especialistas apontam que é deste desajuste que surgem as crises. Sempre lembrando que a capacidade de gerenciar uma crise depende do que foi feito, praticado e conhecido a partir de um período normal prévio.

Como elementos profiláticos, sugere-se o reconhecimento de vulnerabilidades, histórico de boas relações, comprometimento e investimento em prevenção e permanente respeito à opinião pública. As escalas de repercussão de uma crise quase sempre iniciam previstas pelo board da empresa, que não toma providências, e vai para os comentários de funcionários, chegando então à comunidade e à imprensa e desencadeando versões, fatos e rumores. A falta de informação gera o vazio, e abre espaço para boatos e desinformação, e com isto surge o oportunismo, a má fé, ações da concorrência e a desorientação dos aliados. Daí que sempre se diz que a corrida contra o tempo é o ponto mais crítico destas situações, e os funcionários a essência da ação.

Sabe-se que o pico da crise vai depender da extensão de alguns vetores, como contexto, número, notoriedade, falhas, repercussão na imprensa. Alguns agravantes no setor são a espetacularização da notícia, com priorização do sensacionalismo, exploração exaustiva, invasão de privacidade, fabricação de acontecimentos, mitificação de personagens (herói e vilão, vítimas e culpados), fragmentação da realidade. E concorre para este tipo de panorama a atuação das assessorias, cujas mensagens não têm sido baseadas na incisividade, na abrangência de interesses, defendendo princípios e buscando um clima de tranqüilidade. É preciso estar sensível à emoção dos familiares e envolvidos e não ceder à idéia de chamar prioritariamente os advogados, por ser incorreto pensar numa visão legalista. Normalmente, a área jurídica sugere não lamentar ou solidarizar-se com as vítimas, porque seria um reconhecimento de culpa. Afora isto, temos que reconhecer que há um traço cultural no país para esconder os acontecimentos, mas uma história de transparência seria a única sustentação para a crise. A sinceridade com os públicos é o mínimo que se pode empreender, porque viabiliza as negociações posteriores.

O que interessa destacar é que valores amplamente definidos criam um lastro na crise, por conta de uma estrutura de reputação que permita a crença em um diálogo. E estes valores precisam ser legítimos, vivenciados no cotidiano da empresa por sua equipe e nas relações com demais públicos. Uma pesquisa da Interscience evidencia que cidadãos apontam em 100% o respeito pelo consumidor e 88% a ética como indicadores do que interfere na reputação corporativa.

Neste sentido, a formação de um comitê de gerenciamento de riscos é um passo mínimo e estruturante, separando funções de um gestor da crise do comunicador da crise: o primeiro seria o agente estratégico coordenador do processo (podendo até ser o porta-voz), e o segundo trabalharia ativa ou reativamente com as demandas dos públicos afetados ou interessados, enquanto um comitê local trataria de questões técnicas. De toda maneira, este tipo de governança também faz ressaltar a relevância do pleno engajamento dos funcionários nos processos, e de sua participação decisiva na superação dos impasses e readequação para a normalidade, dentro das possibilidades e características de cada ocorrência.

Rodrigo Cogo é gestor de conteúdo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial/ABERJE

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O que a comunicação pode (ou não) fazer na hora da crise?

Os profissionais do campo da comunicação sempre têm em seu portfólio de temas para estudo e discussão alguma dúvida relativa a crises: como elas acontecem? Como se perde o controle sobre uma situação? A comunicação realmente tem o poder de evitar ou de minimizar os efeitos de uma crise?

Muitas respostas não podem ser dadas, pois realmente se todas as crises fossem previsíveis, elas provavelmente não passariam dos estágios iniciais, além de haver diferentes tipos de crises. É esse tema tão conturbado e fascinante que será tratado neste artigo.

Cabe começar por uma definição que clareie a interpretação de crise no cenário da comunicação nas organizações. Podemos entendê-la como uma ruptura abrupta entre a situação quotidiana, motivada por fatores internos ou externos. Quando se fala em crise pressupõe-se o risco de dificuldades para o crescimento ou para a própria sobrevivência da organização em questão. Nem sempre falamos de crise no âmbito da catástrofe, mas esta acaba sendo a própria construção de sentido para a crise.

A crise sempre terá a sua percepção e os seus efeitos em acordo com a maneira como ela tenha sido administrada, como os públicos tenham sido tratados. Ainda que sempre se trate de algo absolutamente não palpável, é mesmo uma boa imagem que pode, junto aos diversos públicos, minimizar os efeitos de uma crise. A imagem, como sabemos, é volátil e pode ser percebida por cada grupo que se relacione com a organização de modo diverso, mas a sua permanente construção poderá redundar em uma boa reputação e isso pode ser de grande significado, em meio a um período conturbado ou caótico. A organização é tratada de forma proporcional ao que é percebida.

Mudanças na sociedade e em seu entorno, tais como novo perfil dos funcionários, multiplicação do conceito de cidadania, intervenção de forças sociais organizadas, consumidores mais conscientes e exigentes, levam à maior necessidade de ajustamento das ações comunicativas oriundas da organização e em sintonia com as informações geradas pela própria sociedade.

Diversas situações levam a conflitos e uma série de atitudes pode ser tomada pelas organizações em decorrência das crises: silêncio, negação, contra-ataque, confissão, transferência de responsabilidade, discrição. Quando se opta pelo silêncio o risco de que se fale a respeito da organização é muito grande e que essa postura leve ao entendimento de que se assuma a culpa. A negação pode gerar desconfiança, quando é feita de modo imediato, antes que responsabilidades possam ser aferidas. O contra-ataque pode levar à criação de novos oponentes, bem como a transferência de responsabilidade, a menos que se tenham provas. A confissão (quando é fato) pode ser bem recebida, ser vista como demonstração de boa vontade, mas também requer minucioso planejamento para o pós-crise. A discrição, por seu tempo, quando se opta por ser reativo em relação à comunicação e proativo quanto às atitudes de contenção e atendimento, pode oferecer possibilidades de melhor gestão da crise.

Alguns elementos devem ser priorizados em relação às crises. A antecipação permite minimização de impactos e se ela não pode acontecer sempre, ao menos a criação de um protocolo de ação e de reação deve ser parte do planejamento estratégico de relações públicas. Ações como a criação de um grupo de gestão de crises – com formações e habilidades variadas –, um manual de recomendações e de atitudes, treinamento para relacionamento com os públicos estratégicos, além de mapeá-los, criação de um programa de educação para a comunicação, são elementos-chave para qualquer empresa que não queira se ver à mercê de sua própria sorte.

Previsão e antecipação podem dar maior segurança para a tomada de decisões em momentos de clima instável. A construção de cenários em relação aos diversos elementos que compõem o universo organizacional permite a projeção de possíveis medidas de profilaxia, além de sugerir possíveis cenários que insinuem crises. A gestão da crise deve fazer parte do planejamento global de comunicação da organização e nunca pode se descolar dele.

Luiz Alberto de Farias, PhD é presidente da Associação Brasileira de Relações Públicas, seção São Paulo - ABRP-SP, e docente na ECA-USP, Faculdade Cásper Líbero e Unicsul.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O peso do dejà vu...

Sabe aquelas situações que mal você começa a enfrentar e já sabe como terminam? Isso acontece porque o seu universo cognitivo é formado por um sem-número de experiências que vêm desde a infância e vão sofrendo sucessivos acrescentamentos ao longo dos anos, formando um complexo quadro de estímulo-resposta que, instintivamente, você vai aplicando ao seu dia-a-dia.

Isto se torna ainda mais aparente em situações de crise – principalmente no que diz respeito a questões emocionais, reações instintivas, sem análise prévia. O risco de deixar-se levar por essa vivência é grande. Às vezes, até dá certo... Na grande maioria dos casos, porém, o que acontece é que o profissional coloca o cenário real em segundo plano e se baseia em suas próprias certezas. Uma aplicação do “já vi esse filme e sei como termina”...

A experiência profissional traz, realmente, uma bagagem riquíssima e que não pode nunca ser desprezada, desde que a consideremos como o que realmente é: matéria-prima, base de trabalho, instrumento a ser aplicado a análises racionais de cenário e que fundamenta a tomada de decisões. Utilizá-la automaticamente, como uma pré-qualificação costuma ser o primeiro passo para o desastre...

Fato é, porém, que os profissionais verdadeiramente experientes levam isso em consideração. Usam essa bagagem para identificar semelhanças, alternativas, possibilidades. Nunca como panacéia. Quantas vezes já não vimos instituições aplicando as mesmas fórmulas que deram certo num passado nem assim tão distante e que de repente não funcionam mais? Como utilizar, para os primeiros esclarecimentos, um líder de opinião inadequado – embora eficaz, em outros tempos – por não perceber que o perfil de seu público mudou, por exemplo.

A estratégia, esta continua plenamente válida. Mas não pode ser aplicada cegamente. Tem que ser revista, atualizada e a tática – esta sim – permanentemente revista. Caso contrário, de nada valerá a experiência, engessada, cristalizada pela falsa certeza.

Flávio Valsani é Diretor Executivo da LVBA Comunicação