quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Do naufrágio ao pós-naufrágio - Comunicação interna, crise e valores

A literatura que discursa sobre o papel da comunicação interna na gestão de crise é vasta e de grande utilidade, seja para analisar o tema desde o ponto de vista teórico, seja para obter recomendações aplicadas na vida real. Exitosas ou não, de todos os casos é possível extrair um aprendizado, desde que haja um estudo detalhado e envolto em um espírito crítico e autocrítico.

Além disso, cresce em grande escala o número de documentos que expõem a relação entre a crise e os valores corporativos e pessoais de quem precisa enfrentá-la. Em geral, pretende-se mostrar nesses textos a posição privilegiada em que se encontram, diante de uma crise, as organizações e pessoas que apresentam uma história arraigadas a fortes valores e estrutura, sem nunca haver renunciado a sua identidade.

Acima de qualquer argumento, conquistar uma reputação de confiança permite enfrentar cenários turbulentos com um melhor desempenho.


Comandantes ou magos corporativos: os gestores de confiança

É preciso dar razão a Stephen M.R. Covey na escolha do título de um dos seus livros mais lidos: “Fator confiança: o valor que muda tudo”. É certo dizer que a confiança não só é a variável que reduz a complexidade organizacional, como também é um fator insubstituível. A tecnologia pode ser remediada, assim como os recursos financeiros e logísticos, mas a confiança não. Isso porque a confiança é questão de história, de trajetória. Só por meio de um caminho percorrido é possível fazer com que as pessoas incorporem como próprias os objetivos da empresa, ao mesmo tempo em que a empresa tome como suas as necessidades das pessoas.

No fim das contas, sempre vamos ao encontro da sabedoria dos antigos pensadores gregos, como a de Covey, ou como a que se vê em “Se Harry Potter dirigisse a General Electric”, de Tom Morris. Sem credibilidade enraizada em valores é extremamente difícil sobreviver em tempos de crise, pois sem credibilidade é impossível gerar confiança.

Além disso, alguns desses textos destacam que não há uma cultura fundamentada em princípios sólidos, com uma comunicação interna que apensas discursa sobre seus valores. Há a necessidade de que a organização viva seu valores e que os transmita de forma persuasiva, sem limitar-se a pontuá-los em uma notificação. É preciso mostrar os valores como bens desejáveis, apetecíveis àqueles que precisam levar adiante os esforços necessários para transformar os valores da empresa em fatos incontestáveis.

É possível também encontrar muitos autores que traçam, em suas obras, um paralelo entre as análises filosóficas e sociológicas de sociedades que se caracterizam por valores débeis e o êxito daquelas organizações que, mesmo contra a maré instituída pela moda, insistem em apostar na comunicação interna para desenvolver uma cultura profissional sólida.


Crise e valores: o lado negro da força

As relações entre a crise, os valores e a comunicação interna vêm sendo analisadas de diferentes pontos de vista, todos eles necessários. Parafraseando Star Wars, o aspecto menos considerado refere-se ao lado negro da força, já que os valores das pessoas e das organizações estão suscetíveis a mudanças durante uma crise.

Por mais estranho ou paradoxal que pareça, G.K Chesterton considerava que a mais bela visão de Robson Crusoé se dava no momento em que acontecia a recontagem dos restos do naufrágio: “O melhor do livro está na lista de restos salvos do naufrágio. O mais lindo poema é apenas um inventário”. A crise não deixa ninguém ileso, seja qual for a sua natureza. É ingênuo pensar que tudo voltou ao normal porque o nível de vendas voltou a subir ou porque as perdas foram minimizadas ou porque ninguém mais comenta sobre os colegas demitidos meses atrás.

Assim como o ocorrido a Ulisses em seu retorno a Ítaca, as asperezas da vida deixam cicatrizes. Isoladas, muitas vezes não são notadas, mas quando juntas, tornam-se as marcas permanentes pelas quais somos reconhecidos. O que acontece às pessoas acontece também com as organizações. As crises desafiam a todos e, como acontece após as tempestades em alto mar, quando o vento e as ondas se acalmam, chega o momento de avaliar os danos e repará-los. Só assim é possível seguir em frente, voltar a um ponto de equilíbrio, unindo o que se separou, mesmo que esse reparo seja precário e provisório, até que a cicatriz que fechará definitivamente a ferida aconteça.


Logo após naufrágio, a recontagem

Os departamentos de Comunicação Interna são os mais preparados para levar adiante, junto com as áreas de Recursos Humanos, a mensuração das perdas e para listar as reformas necessárias, fixando prioridades, meios e prazos.

Reconstruir a cultura da organização só é possível caso se assuma, pelo menos como hipótese, que é necessário questionar sobre o que foi desconstruído o que se entende, etimologicamente, pela palavra cultura: o verbo colere, origem de “cultura, “cultivo”, “culto”, palavras que trazem em comum “cuidar” nas entrelinhas.

O cuidado é, por meio de uma visão global, panorâmica e abrangente dos efeitos, uma das virtudes das mais importantes em um líder após o naufrágio. E a comunicação interna ouve com atenção os ecos do acontecido para assim tecer uma solução. Disse Nietzsche: “encontrar alguém pra fazer uma festa, não é o mais difícil. Difícil mesmo é encontrar alguém que realmente se divirta com ela”. Levando essas palavras em consideração, podemos dizer que não há grandes dificuldades em se salvar de um naufrágio, mas sim sobreviver aos inúmeros naufrágios que sofremos na vida. E somente o cuidado mútuo é que tornará possível realizar os pequenos milagres da vida cotidiana.


Carlos Alvarez Teijeiro é Diretor Associado da AB Communicaciones.

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