quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Crise, Chilique e Profetas

Na volta da escola, com freqüência, éramos prevenidos pela vovó: “crianças, não façam barulho. Não perturbem! Dona Inácia está com uma crise de nervos!”. Já sabíamos o que significava esse alerta vermelho. Prenúncio certo de confusões e castigos...

Ao longo da vida familiar, na infância, outras crises aconteciam. De asma, apendicite, de choro, de raiva, de depressão, epilepsia e até cardíaca. Na adolescência, os professores se referiam à crise agrícola, política, diplomática, de mão de obra, social e até a famosa crise do café de 1929.

Vivemos num mundo de crises. Ou seria a crise parte do mundo? Não vale a pena responder. Dá na mesma. Seremos sempre alcançados por ela. Mesmo quando as crises não dependem de nós.

Afinal, o que será então uma crise? Uma não. São diversas. A mais antiga é tão antiga quanto os seres humanos às voltas com sua saúde e doenças. Foi daí que surgiram. Gregos e latinos criaram o termo que hoje é corrente nas falas cultas ou populares. Kriseos ou crisis denotam uma mudança súbita, um momento de decisão, de julgamento. Uma manifestação aguda, de agravamento. Determinadas doenças, ao final do sétimo dia, chegavam ao momento decisivo: cura ou morte! A medicina, nos seus primórdios, acolhia o sétimo dia ou seus múltiplos – 14, 21 e 28 – como referência (a partir do calendário lunar) para reconhecer o agravamento, a manifestação aguda no curso da doença. É o ponto crítico do desequilíbrio. É o momento da transição, da passagem de um estado para outro.

E a crise atual? Crise mundial ou universal? Desde o último semestre de 2008, essa palavra de poucas letras produz efeitos consideráveis no que chamamos de mundo globalizado. De repente, fomos atingidos por um Katrina não previsto pela meteorologia. O céu era de brigadeiro. Atividades econômicas e financeiras navegavam num mercado consolidado graças a sua autonomia e leis próprias. Segurança e tranqüilidade, como a brisa envolvente nas tardes poéticas, fluíam e embalavam o trabalho, o emprego e as atividades das ditas grandes potências no comércio e intercâmbio mundial.

Quando as águas começaram a baixar, emergiram os estragos e clamou-se pela ação salvadora do resgate governamental. Foi quando apareceu, flutuando tranquilamente nas águas ainda turvas, um tipo lembrando o Noé. Sim. Aquele Bíblico, da arca com os casais salvos do dilúvio.Tranqüilo, sorrindo explicou: tudo bem. Foi só um susto.

Náufragos foram os que acreditaram nas notícias, nos economistas, nos analistas, nos gurus e nos políticos. Poucos checaram a credibilidade dos imprudentes, das profecias. Mesmo os cadernos de economia não desconfiaram dos números que eles mesmos elaboraram ou divulgaram como suporte de credibilidade.

Os números totais e absolutos, ou os números virtuais obtidos por indicadores, índices, coeficientes e outras milimétricas precisões foram dissolvidas pelas águas da crise.

Crise? Não, atenção este termo é incorreto! A crise, segundo a origem do termo, chega onde antes havia saúde. O tal céu de brigadeiro não refletia saúde mas sim um inchaço, uma seqüela que, certamente, não teria um final feliz. A palavra crise deveria já ter sido usada naquele momento onde já não havia equilíbrio.

O termo crise não deve ser aplicado a determinados procedimentos usuais no grande mercado das finanças monitorado pelo risco, pela aposta, pelos desafios aos fatores aleatórios, pelo virtualismo flutuante. Pelos oportunistas e seus ingênuos fidelizados. Foi apenas uma rodada que se concluiu. Desta vez, eram poucas cadeiras disponíveis... poucos conseguiram se sentar. A grande maioria, infelizmente, dançou... Foi apenas uma crise nervosa, um chilique ou talvez um faniquito.

E os efeitos? Houve efeitos? Sim. Foram os efeitos dramáticos, sociais da crise que sempre se fazem acompanhar de nova onda de crises: de choro, de raiva, de depressão e até a conhecida crise conjugal. Bem... esta já é outra história...


Bernardo Issler é doutor em ciências e professor universitário.

Nenhum comentário: