O mundo em que vivemos respira de forma tão profunda o capitalismo que já tomamos como padrão os modelos atuais de consumo e disseminação da informação ao nosso redor - shoppings, lojas na rua, rádio, TV e Internet. Nossa rápida adaptação e bem-estar diante disso nos faz esquecer que existem outros cenários e movimentos ao redor do mundo - decadentes, promissores, bem-sucedidos ou não, mas existem e devem ser devidamente analisados.
Há algumas semanas tive a oportunidade de ir à Cuba. Um país ricamente histórico e atualmente em uma condição que o torna único, ao menos, na América Latina. Cuba ainda vive um comunismo decadente, uma sobra mal digerida da Guerra Fria e sua população sofre com as escolhas do passado de seu governo. Ainda assim, uma população aparentemente feliz e orgulhosa dá a impressão que tudo faz parte de um cenário fantasioso. Mas aquilo é real.
E a realidade do cubano não é fácil. Com um salário médio de 15 pesos convertidos cubanos (algo como 18 dólares), eles dependem do turismo como nunca para complementar suas rendas - o que explica, inclusive, a total segurança para visitantes nas ruas. Um quilo de carne custa 11 pesos, portanto, é possível imaginar o quanto eles admiram dinheiro vindo de fora. A imensa maioria dos residentes em Cuba não pode sair do país. Não podem comprar ou vender carros, não têm direito a itens de luxo como microondas ou DVD. Apenas médicos, artistas ou esportistas, além de pessoas ligadas ao governo (claro) podem viajar para fora de Cuba.
O socialismo determina que todos sejam iguais. Dessa forma, não há miseráveis em Havana. Há, sim, uma constante, linear e sutil pobreza. Prédios e carros vivem na sombra do que um dia foram. Até 1959, a capital Cubana respirava os ares norte-americanos e recebia os endinheirados turistas vindos da Flórida, distante apenas 200 km do litoral cubano. La Revolución, que em janeiro próximo completa 50 anos, parou tudo isso. Nas ruas de Havana percebe-se uma cidade que um dia foi luxuosa e requintada. Hoje, são essas mesmas casas e carros, sem conservação, que encantam e deixam perplexos os turistas. Cuba é um país parado no tempo.
Uma adoração fi(d)el | Apesar de tantas barreiras, a adoração ao "nuestro comandante" Fidel Castro é latente. Seja por meio de cartazes e placas ou ao conversar com a população mesmo. Um cubano diz, até com um certo orgulho, que ninguém sabe onde está Fidel. "Ele vive escondido por questões de segurança", explica. Segundo suas razões, Fidel já foi vítima de exatas 637 tentativas de homicídio por parte da CIA, órgão de segurança do governo dos Estados Unidos. E estariam todas documentadas.
Fidel não está sozinho na lista de heróis cubanos. Junto dele, José Martín também é bastante citado como um dos responsáveis pela revolução de 1959 que tirou Fulgêncio Batista do poder. Porém, os dois são superados de longe por um nome que tem imagem quase tão conhecida como Jesus Cristo: Ernesto Che Guevara.
"El" Che, mundialmente, já é um case global de comunicação. Seu rosto está entre os mais conhecidos do mundo. Em Havana, entretanto, isso toma dimensões superlativas. É possível ver Che em quase cada esquina do país. Quando não é seu famoso rosto acompanhado da boina e da estrela, são suas frases famosas ou cartões postais com fotos inusitadas, como o argentino (sim, Che nasceu na Argentina) fazendo a barba ou ocioso em um sofá. Tamanha exposição dá uma idéia melhor do quanto esta pessoa de gestos questionáveis ganhou uma fama que ultrapassa facilmente o que ele representou em vida.
Quer distância dos heróis de Cuba pelos jornais ou TV? Esqueça.
Os meios de comunicação em Cuba são inteiramente controlados pelo governo. Não há revistas, nem bancas em cada esquina. O jornal oficial do governo, o Gramma, é um atentado ao que consideramos imparcial. Poucas fotos, textos que exaltam os heróis cubanos e retaliações ao embargo norte-americano são freqüentes.
A televisão de Cuba se resume a três canais. O canal oficial do estado e dois canais educacionais. Em ambos, não há intervalos comerciais com propagandas consumistas. Apenas mensagens de apoio ao governo ou agendas de eventos educacionais e sociais. Assistir a TV em Havana é uma árdua tarefa. Durante boa parte do dia, desfiles e homenagens militares tomam espaço da programação. Os telejornais são um capítulo à parte: matérias sobre visitas e da agenda do atual comandante do país, Raúl Castro, levam quase meia hora. As cenas do que ele fez no dia vão ao ar de forma bruta, quase sem edição. Discursos são exibidos quase na íntegra. Além das notícias de Cuba, quase inteiramente resumidas ao governo, há notas sobre países vizinhos como Nicarágua, Panamá e Venezuela.
Saí de Cuba com uma grande satisfação e frustração. Satisfeito por conhecer, de forma breve, um cenário tão único em tempos tão avançados. Cuba devia ser um destino obrigatório para qualquer turista que espera mais do que somente descansar em suas viagens. Frustrado também pelo curto tempo que passei por lá. Ficou no ar a sensação de que seria fácil e agradável fazer um livro com pequenas curiosidades e grandes histórias do rico povo cubano.
Um dia, quem sabe, isso acontece.
Luis Joly é jornalista e profissional de Comunicação Empresarial. Executivo da LVBA Comunicação
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário