A crise financeira mundial trouxe para o debate de comunicação um tema bastante controverso: realidade versus percepção. As supostas fraudes contábeis, operações financeiras de elevado risco e o potencial pernicioso do jogo especulativo só passaram a existir depois que foram percebidas por nós. Antes disso, nada existia. O suposto esquema de fraude ao mercado financeiro, revelado esta semana, de até US$ 50 bilhões, liderado por Bernard Madoff, ex-presidente da Nasdaq, deu ainda mais força para a onda de notícias e boatos sobre a economia das empresas.
E por que não percebemos a crise antes? O filósofo George Berkeley (1685 – 1753) nos traz algumas provocações interessantes e possíveis respostas em sua obra Três Diálogos entre Hylas e Philonous. Um fato sem testemunhos, sem ser assistido por nenhum cidadão não poderia ser considerado um fato, pois não teria existência. O mundo exterior pode não existir ou só pode existir aquilo que for percebido pelo sujeito de conhecimento.
Berkeley nos diz que coisas perceptíveis são aquelas percebidas imediatamente pelos sentidos. Não conseguimos perceber por meio da visão algo além das luzes, cores e formas; ou através da audição algo além de sons; pelo paladar algo além de sabores; através do olfato além de odores; e através do tato, algo além de qualidades tangíveis.
Duvidar não consiste em abraçar o lado positivo ou negativo de uma questão, mas em levantar um suspense sobre os dois lados. Não se trata de negar a realidade, mas de tentar enxergar o fato sob várias perspectivas. Existir é uma coisa, ser percebido é outra.
Governos, autoridades monetárias, imprensa e sociedade não foram capazes de perceber a crise. Deixaram de lançar questionamentos sobre ordem econômica e financeira global. Por quais razões? Pela falta de interesse na verdade ou cumplicidade com o erro? Por ganância ou por ignorância?
Certamente, muitos pensavam estar descolados da crise, agarrados em imagens construídas sem os alicerces das práticas sustentáveis e no diálogo aberto com a sociedade. Mas na crise perceberam o quanto estavam vulneráveis. A riqueza, construída em alguns casos de maneira muito rápida, era só uma imagem. A crítica e a desconfiança passaram a ser lançadas sobre qualquer um, sem distinção e piedade. E todos, de alguma forma, foram envolvidos na crise.
Neste cenário, é preciso ter humildade para reconhecer o erro. Mais do que tentar provar publicamente o que supostamente sabemos sobre nossa identidade e nosso negócio, é preciso adotar processos que nos levem a exercitar a técnica e a capacidade de questionamento. Perceber e entender a dinâmica do mundo podem ser fundamentais – e não apenas diferenciais competitivos - para manter o equilíbrio das forças econômicas.
Rodrigo Padron é Diretor da LVBA Interativa
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
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