quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Crise no Legislativo brasileiro? Talvez mais que isso...

Quando comecei a pensar no que escrever sobre a crise no Legislativo brasileiro, me dei conta de que tinha mais perguntas do que respostas. Tal crise seria uma crise de representação? Ou é simplesmente uma crise de moralidade? É alimentada pelo medo do Executivo de cair numa crise de governabilidade? Ou revela que a força do controle social, ou público, estaria em xeque?

Vamos por partes.

Historiadores e politólogos têm discutido há algum tempo a ideia de representação. O Senado é a casa da estabilidade e da minimização da desigualdade de representação das unidades da Federação. Já a Câmara respeitaria a proporcionalidade da representação. Nos dois casos, parece que a distância entre representantes e (não) representados tem sido problema. É verdade que não há o tal sentimento de ser representado por aqueles que lá estão. Ou seja, há problemas de representatividade no Brasil. Sim, mas no Brasil, no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Coréia (aquele Parlamento que a gente sempre vê umas cenas de tabefes na TV)... Há também o discurso trazido do direito do consumidor do “eles custam muito caro e não fazem nada”. Opa, crises nos levam sempre a pensar em extremos. Daí surgem questionamentos perigosos sobre a utilidade da existência do Parlamento. Tranquilidade é necessária nesses casos em que esquecemos o que é ter um país com Parlamento fechado ou mesmo sem Parlamento. Ou seja, um parlamento aberto, funcionando, mesmo com “coronel de merda” pra cá e “quero que vossa excelência as engula” pra lá, é melhor que nenhum Parlamento. Nosso breve e bom período de democracia permitiu avanços que não podemos esquecer.

No entanto, é inaceitável a situação, a lama está aí. E o que fazer? A mistura entre público e privado, o desleixo com a opinião publica e o recebimento de votos na eleição seguinte, de fato, pode colocar em xeque a legitimidade do sistema representativo. O descontentamento do cidadão é legítimo e deve existir sempre, ainda mais quando colocamos no caldo o tempero da moralidade. Filósofos nos ensinam que entre política e moralidade há uma zona cinzenta, que turva aquilo que é moral do que é imoral. A democracia e o Estado de Direito jogaram luz a certos processos e hoje nos permitem fazer cobranças impossíveis há algum tempo. O nepotismo e o favorecimento a amigos, pilares dessa crise, passavam despercebidos há uns 20 anos. Agora não mais. Deputados levaram família, lobistas e afins para viajar de avião. Sarney fez isso e muito mais. Mas será que há 20 anos isso seria tão questionado? Luiz Estevão foi o primeiro senador cassado em 2000. Outros presidentes do Senado caíram depois, mas sem cassação (Jader, ACM, Renan...). Ou seja, há corrupção no Congresso? Sim. Mas ela é maior ou menor do que antes? Não sabemos. Será que o controle é maior agora e nos assustamos com instâncias democráticas funcionando? O que mudou: o Sarney ou a tolerância do brasileiro? Patrimonialista o acadêmico presidente sempre foi. Só que não aceitamos mais algo tão descarado. Isso é bom. E isso, sem dúvida, é fruto de (ainda poucos) anos de democracia.

E o centro dessa crise no Sarney guarda relação direta com a preocupação do Executivo com a tal governabilidade. Que a trajetória do Sarney é discutível, a gente sabe (fora a sujeira de atos secretos, cargos, favorecimentos, etc., pra ficar no mais recente, há a derrubada de Jackson Lago no Maranhão e o lamentável rolo compressor da família Sarney em eleições no Amapá). Agora o presidente Lula entrar no jogo pra dizer que o Sarney não é um homem comum, aí complica. Lula não só abraça o patrimonialismo como avaliza a desigualdade entre os indivíduos – princípio básico pra uma democracia. Péssimo... Quando pensamos que vamos nos livrar de ACMs, Sarneys e afins, vem logo o Lula apoiá-los com a desculpa da governabilidade? O presidente Lula trabalha fortemente pela permanência do acadêmico Sarney no mais alto posto do Senado. Não quer correr o risco de um tucano ou alguém que lhe cause problemas ali no comando. E pensando no futuro próximo, quer garantir que o namoro com o PMDB vire casório nas próximas eleições para fortalecer a candidatura Dilma. Sim, o Executivo influencia o Legislativo. Isso não é o problema. Política é conflito e alinhamento de interesses. Mas qual a medida? Às vezes, há o enquadro pesado, como o próprio Lula fez com a bancada petista no Senado, que tentava sair com alguma seriedade do caso. E será que a fuga da crise de governabilidade levou agora a uma crise no PT?

Por fim, o Senado não responder ao anseio público de derrubada do Sarney (ou de cassação do deputado do castelo em Minas, como exemplo menor) significa crise de controle público? O fato de a pressão da opinião pública não ter sido suficiente para derrubar Sarney, envergonhar deputados que usaram passagens, forçar uma reforma política decente e outras mudanças desejáveis seria um enfraquecimento do controle social. O controle pelo voto tem funcionado? Hum... E o controle pela opinião pública se esvai? Sabemos do ciclo vicioso “escândalo-imprensa feliz-calmaria”. Mas será que a cobertura do Legislativo não poderia ir além de escândalos (pelo menos na calmaria)? O que mais a gente sabe sobre o Congresso? Ninguém fala das comissões (tirando uns malucos com insônia que param na TV Senado na madrugada). Há importantes debates temáticos ocorrendo, por exemplo, nas comissões de infraestrutura (na qual Collor é presidente...), meio ambiente, ciência e tecnologia e assuntos econômicos. Depois, nas eleições, cobramos que se “eleve o nível do debate”, mas, no cotidiano, o interesse é pelo mordomo da casa dos Sarney ou pela passagem da namorada do deputado. E não pelo debate.

Enfim, a crise no parlamento brasileiro pode ser analisada de diferentes formas, pendendo pra cá ou pra lá, pra direita ou pra esquerda, pro otimismo ou pessimismo. As perguntas estão postas.


OBS: Quem quiser discutir essas perguntas e construir suas respostas pode ir ao debate “Política brasileira e crise no legislativo”, com José Arthur Giannotti e Marcos Nobre, no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), no dia 28/ago, às 16h, com entrada franca. Ambos são filósofos, pesquisadores do Cebrap e professores, respectivamente, na USP e na Unicamp.


Carlos Torres Freire é pesquisador do Cebrap, mestre em Sociologia pela USP e ex-jornalista.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O papel da mídia no caso Sarney

A decisão do Conselho de Ética de arquivar as denúncias contra José Sarney coloca ainda mais combustível na crise envolvendo o presidente do Senado e ex-presidente da República.

Neste processo, Sarney só tem uma saída, a despeito da grande ajuda que tem recebido do Planalto. Tem de deixar imediatamente a presidência do parlamento e provar à sociedade que não tem responsabilidades sobre as denúncias envolvendo o seu nome – ou não.

Crises do tipo “escândalo político patrimonial” têm como característica a cobertura da vida privada de políticos e de pessoas de seu estreito relacionamento. A temática deste escândalo no Brasil é a da corrupção. Outros já passaram por ela. Agora chegou a vez de Sarney, incluindo as pessoas que o cercam.

O arquivamento das denúncias também pode ser o ingrediente que faltava para estimular a imprensa a entrar de vez no imbróglio jurídico que tem censurado O Estado de S. Paulo. O jornal foi impedido pelo Judiciário de publicar reportagem denunciando Fernando Sarney, filho do presidente do Senado.

O envolvimento da mídia no caso tem sido tímido. Mas pode crescer muito. Toda a sociedade vem sendo duramente atingida pela liminar que proíbe a exposição das denúncias e o esclarecimento dos fatos. Não se trata de espírito de corpo, mas de organização da imprensa contra decisões abusivas que ameaçam a democracia.

A proibição revela a existência de mazelas da ditadura brasileira, que ainda permanecem por causa de atos sigilosos de parlamentares, que fazem da política a extensão de seus negócios e interesses privados. Aqui não se trata apenas de restrição à liberdade de imprensa e de expressão, mas de suposta interferência da família Sarney no Judiciário brasileiro.

A motivação da cobertura jornalística deste caso também é institucional. Envolve posicionamento público e social da própria mídia. O escândalo envolvendo Sarney serve para destacar a defesa do interesse público pelo jornalismo, que ao denunciar algumas práticas, se legitima como agente de vigilância das instituições e da sociedade. Ao trabalhar para elucidar os fatos, a mídia está destacando os valores éticos e morais aos quais pretende estar associada ou comprometida. Deve ser assim.


Rodrigo Padron é jornalista, especialista em Marketing, Comunicação Corporativa e Digital. É membro do Grupo de Relações Públicas Digitais da Abracom e editor do blog Ponto de Desequilíbrio

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Onde havia fumaça, não há mais

Inevitável. Gostando ou não, ela chegou para gerar discórdia. Há uma semana, é lei: não pode fumar dentro de locais fechados públicos ou privados no Estado de São Paulo. E ambientes de trabalho estão absolutamente incluídos nesse cenário. Minha intenção aqui não é opinar sobre a lei; se acho certo ou errado, mas discutir um pouco a representatividade que terá no dia-a-dia das companhias. E no gerenciamento de crise que terão que enfrentar com os funcionários. Não, não é exagero.

Antes, as empresas se empenhavam para tentar educar funcionários sobre os males do tabaco para reduzir, inclusive, custos. Sabe-se que a produtividade de funcionários fumantes é mais baixa e o índice de absenteísmo é alto. Hoje, as empresas têm do seu lado a lei e o respaldo de, inclusive, poderem dispensar por justa causa um funcionário que desrespeite a lei antifumo.

Gestores (fumantes ou não) devem ter a paciência como sua grande aliada nessa empreitada. Mudar hábitos não é fácil e sempre gera resistência. Aquela paradinha para o cigarro, para uns, já faz parte da jornada de trabalho. Aliar o momento para realizar campanhas internas que ajudem os funcionários a pararem de fumar pode ser uma boa opção. Ir além de informar. Criar dinâmicas que gerem a boa vontade de largar o vício. Afinal, a tendência é que onde algo é proibido, ele deixe de ser feito. Principalmente em ambientes corporativos, onde as pessoas estão sob regras específicas que as mantêm empregadas. Inclusive, a dificuldade imposta por empresas para acender aquele cigarrinho reduz o número de funcionários fumantes. E agora essa dificuldade, em corporações sem cultura nenhuma de antitabagismo, foi imposta. Sem choro nem vela.

Novamente, companhias que se respaldam com programas de qualidade de vida saem na frente. A sustentabilidade das ações de cunho social voltadas à saúde do público interno pouparam empresas, como ArcelorMittal, Phillips e Johnson & Johnson, que têm seus programas antitabagismo superestruturados e bem sucedidos. Nessas empresas, a política antifumo já vigora há tempos. E, portanto, essa crise atual passa longe das atuais preocupações dos gestores...

Para as companhias que vão correr agora para implementar as regras estaduais antifumo, é fundamental que notifiquem os funcionários mais mal avisados sobre a proibição do fumo em suas dependências. Com as regras claras para todos é mais fácil evitar dores de cabeça futuramente. Boa sinalização, comunicados oficiais e comprometimento de todos ajudam na transição.

Se a empresa tem um perfil mais colaborativo, por que não utilizar as mídias sociais para compartilhar dicas de como parar de fumar, experiências de quem já largou o vício, dificuldades e benefícios? Tratar o assunto de maneira mais informal pode ser uma forma de aproveitar a oportunidade e convencer os funcionários a encararem a lei como um incentivo a mais para deixar o cigarro. A oportunidade está aí: basta aproveitar que o assunto está em pauta e abordá-lo de maneira positiva.


Mayra Martins é executiva de atendimento da LVBA Comunicação.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Crise, Chilique e Profetas

Na volta da escola, com freqüência, éramos prevenidos pela vovó: “crianças, não façam barulho. Não perturbem! Dona Inácia está com uma crise de nervos!”. Já sabíamos o que significava esse alerta vermelho. Prenúncio certo de confusões e castigos...

Ao longo da vida familiar, na infância, outras crises aconteciam. De asma, apendicite, de choro, de raiva, de depressão, epilepsia e até cardíaca. Na adolescência, os professores se referiam à crise agrícola, política, diplomática, de mão de obra, social e até a famosa crise do café de 1929.

Vivemos num mundo de crises. Ou seria a crise parte do mundo? Não vale a pena responder. Dá na mesma. Seremos sempre alcançados por ela. Mesmo quando as crises não dependem de nós.

Afinal, o que será então uma crise? Uma não. São diversas. A mais antiga é tão antiga quanto os seres humanos às voltas com sua saúde e doenças. Foi daí que surgiram. Gregos e latinos criaram o termo que hoje é corrente nas falas cultas ou populares. Kriseos ou crisis denotam uma mudança súbita, um momento de decisão, de julgamento. Uma manifestação aguda, de agravamento. Determinadas doenças, ao final do sétimo dia, chegavam ao momento decisivo: cura ou morte! A medicina, nos seus primórdios, acolhia o sétimo dia ou seus múltiplos – 14, 21 e 28 – como referência (a partir do calendário lunar) para reconhecer o agravamento, a manifestação aguda no curso da doença. É o ponto crítico do desequilíbrio. É o momento da transição, da passagem de um estado para outro.

E a crise atual? Crise mundial ou universal? Desde o último semestre de 2008, essa palavra de poucas letras produz efeitos consideráveis no que chamamos de mundo globalizado. De repente, fomos atingidos por um Katrina não previsto pela meteorologia. O céu era de brigadeiro. Atividades econômicas e financeiras navegavam num mercado consolidado graças a sua autonomia e leis próprias. Segurança e tranqüilidade, como a brisa envolvente nas tardes poéticas, fluíam e embalavam o trabalho, o emprego e as atividades das ditas grandes potências no comércio e intercâmbio mundial.

Quando as águas começaram a baixar, emergiram os estragos e clamou-se pela ação salvadora do resgate governamental. Foi quando apareceu, flutuando tranquilamente nas águas ainda turvas, um tipo lembrando o Noé. Sim. Aquele Bíblico, da arca com os casais salvos do dilúvio.Tranqüilo, sorrindo explicou: tudo bem. Foi só um susto.

Náufragos foram os que acreditaram nas notícias, nos economistas, nos analistas, nos gurus e nos políticos. Poucos checaram a credibilidade dos imprudentes, das profecias. Mesmo os cadernos de economia não desconfiaram dos números que eles mesmos elaboraram ou divulgaram como suporte de credibilidade.

Os números totais e absolutos, ou os números virtuais obtidos por indicadores, índices, coeficientes e outras milimétricas precisões foram dissolvidas pelas águas da crise.

Crise? Não, atenção este termo é incorreto! A crise, segundo a origem do termo, chega onde antes havia saúde. O tal céu de brigadeiro não refletia saúde mas sim um inchaço, uma seqüela que, certamente, não teria um final feliz. A palavra crise deveria já ter sido usada naquele momento onde já não havia equilíbrio.

O termo crise não deve ser aplicado a determinados procedimentos usuais no grande mercado das finanças monitorado pelo risco, pela aposta, pelos desafios aos fatores aleatórios, pelo virtualismo flutuante. Pelos oportunistas e seus ingênuos fidelizados. Foi apenas uma rodada que se concluiu. Desta vez, eram poucas cadeiras disponíveis... poucos conseguiram se sentar. A grande maioria, infelizmente, dançou... Foi apenas uma crise nervosa, um chilique ou talvez um faniquito.

E os efeitos? Houve efeitos? Sim. Foram os efeitos dramáticos, sociais da crise que sempre se fazem acompanhar de nova onda de crises: de choro, de raiva, de depressão e até a conhecida crise conjugal. Bem... esta já é outra história...


Bernardo Issler é doutor em ciências e professor universitário.